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Por que Brasil dá pouco crédito à ciência criminal mesmo tendo altos índices de violência

Quando o assunto é ciência na segurança pública, o Brasil ainda engatinha em comparação a outros países. Um efeito disso é que, por aqui, o índice de solução de homicídios não chega nem à metade dos casos, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz com base em informações prestadas por 17 estados, publicado em outubro – segundo as Nações Unidas (ONU), a média mundial de esclarecimentos de homicídios é de 63%. Embora tenham ocorrido avanços importantes na área nos últimos anos, o tema ainda gera resistências.

Especialistas em ciências forenses defendem que a discussão sobre segurança pública no país precisa deixar de ser apenas uma questão processual da área do Direito para passar a ser, também, uma discussão científica. De acordo com Marcos Camargo, presidente da Associação de Peritos Criminais Federais (APCF), a ciência forense está “diretamente relacionada à solução de crimes”, por fornecer robustez de conteúdo probatório às investigações, sejam elas sobre homicídios, crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, entre outros.


Um caso que exemplifica isso foi a identificação do assassino de Rachel Genofre, menina de nove anos morta em Curitiba em 2008 e cujos restos mortais foram encontrados em uma mala na rodoviária da cidade. A polícia encontrou o assassino 11 anos após o crime devido a um cruzamento de dados no banco nacional de perfis genéticos, que reúne informações de materiais genéticos encontrados em cenas de crimes e de condenados por crimes violentos. O DNA do homem constava no sistema porque ele havia sido preso em São Paulo por outro crime. No começo deste ano, foi condenado a 50 anos de prisão.


De acordo com o governo federal, a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) já auxiliou mais de 2.200 investigações criminais no Brasil desde 2019, e, no mesmo período, houve uma aceleração da inclusão de perfis genéticos na base de dados – um salto de 9 mil para 120 mil amostras cadastradas. Ainda assim, o uso deste banco de dados como ferramenta de investigação sofre resistências.


Há uma ação no Supremo Tribunal Federal que pede a inconstitucionalidade da rede, sob o argumento de que a lei que o instituiu representa uma violação ao direito de não incriminação, o qual previne “quaisquer coações físicas ou morais que violem a sua dignidade para obtenção de informações que possam lhe causar prejuízo”, segundo pontuou a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), que questiona a validade da lei.


Outra mostra dessa resistência é que, em abril deste ano, o Congresso decidiu limitar a possibilidade de coleta de DNA, proibindo, por exemplo, a busca familiar, quando são localizadas informações de parentes de vítimas e criminosos – o que poderia ajudar na solução de crimes de estupro e desaparecimentos, por exemplo.


Os parlamentares também retiraram a previsão de que todos os condenados por crimes hediondos fossem obrigados a fornecer material genético, deixando de fora aqueles sentenciados por tráfico de armas, falsificação e furtos com explosivos, entre outros crimes hediondos. Para os defensores dessas mudanças, a coleta de material genético pelo Estado precisa ser limitada e requerer uma justificativa razoável por ser uma medida invasiva.


Contudo, na opinião de João Carlos Ambrósio, presidente da Academia Brasileira de Ciências Forenses, essa discussão em torno da coleta e armazenamento de dados sobre DNA já foi superada em outros países com ampla cultura democrática e histórico de defesa de direitos humanos.


Ele cita o exemplo da Dinamarca, onde o banco de perfis genéticos passou por uma reforma em 2005, que permitiu a coleta de DNA de condenados por crimes como assaltos, cujas penas são superiores a 18 meses de prisão. Um estudo de 2017 estimou que, naquele país, houve uma redução de 43% na reincidência de crimes no ano seguinte ao que os presos foram incluídos no banco de dados.


Para Camargo, a resistência à implementação de ferramentas científicas ocorre “porque não há uma cultura de se discutir ciências na área de segurança pública". Ele afirma que esse é um dos motivos pelos quais a rede de perfis genéticos no Brasil ainda é muito pequena quando comparada a outros países desenvolvidos. Os Estados Unidos, por exemplo, tem 20 milhões de perfis genéticos, segundo o FBI, a polícia federal americana. O Reino Unido tem em torno de 6 milhões de perfis.


Na mesma linha, Ambrósio defende que é preciso haver uma mudança de cultura, não somente nos órgãos de polícia, mas em todos os que compõem o Judiciário brasileiro, como Ministério Público e as defensorias. "Se discute muitos prazos e questões legais, mas pouco se debate o valor da prova científica no julgamento", afirma.


Outro exemplo do desprestígio da ciência nas investigações criminais é a possibilidade de que delegados tenham a prerrogativa de ignorar o laudo pericial realizado em uma investigação. A ideia foi incluída no projeto de reforma do Código do Processo Penal, que está em tramitação na Câmara dos Deputados há anos, e foi considerada por peritos criminais e membros do Ministério Público como mais um retrocesso na produção de provas.


Essa alteração inclui a figura do delegado no artigo que, atualmente, permite que apenas o juiz possa rejeitar o laudo pericial, em todo ou em parte. A reportagem tentou contato com o relator do projeto, o deputado João Campos (Republicanos-GO), para saber o que motivou esta proposta, mas não obteve resposta.


O presidente do MPD (Movimento Ministério Público Democrático), Ricardo Prado, enxerga “traços de corporativismo” na nova legislação e afirma que não cabe ao delegado fazer juízo de valor sobre as provas. “Se o laudo pericial estiver correto ou não, não é ele quem julga. Um segundo laudo pode ser solicitado pelo juiz”, explica.


Reportagem extraída do Gazeta do Povo




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